quinta-feira, 26 de maio de 2011

Dica de Livro: O rei do Inverno, de Bernard Cornwell


O Rei do inverno é o primeiro livro de uma trilogia chamada: As crônicas de Artur.

Narradas por Derfel Cadarn, um órfão saxão adotado por Merlim e que acaba por se tornar um dos principais guerreiros a serviço de Artur.

As crônicas arturianas tratam da lenda de Artur, muito conhecida, não somente na Europa, mas em todo o Mundo.

Posso dizer que Bernard é um dos melhores romancistas históricos do mundo, para não dizer o melhor. Ele trabalha com a lenda arturiana de uma forma jamais vista, fazendo ligações de possibilidades históricas, tentando contextualizar diretamente com o histórico da antiga Grã-Bretanha.

Uma história fantasiada criada em um ambiente historicamente plausível que torna a escrita de Bernard intrigante, nos prendendo do inicio ao fim, e fatos tão complexos e detalhados como as descrições do cotidiano, da política, da barbárie e das batalhas da época.

Os personagens sempre presentes nos contos arturianos, como Guinevere, Lancelot, Merlin e o próprio Artur ganham personalidades marcantes e fazem o leitor se simpatizar com as personagens, criando laços em uma relação de ódio e amor, que pode te levar a algumas lágrimas.

O contexto histórico da obra foi elaborado em uma época considerada “Era das trevas”, anterior a idade média, período posterior a saída dos romanos da Grã-Bretanha, que está devastada com o domínio romano, além de estar sofrendo com as invasões Anglo-Saxonicas, e Artur, um grande estrategista cai em uma trama do destino, e se prende aos conflitos militares com os inimigos Saxões. As narrativas das batalhas são maravilhosas, excepcional, muito bem detalhada e elaborada.

Outro ponto que me chama a atenção é a invasão do Cristianismo, que confronta-se com a religião antiga dos Druidas; formando intrigas e tornando a ilha Britânica em um caos. A magia é outro ponto forte nas narrativas de Cornwell deixando em aberto o julgamento de fatos que tanto poderiam ter sido reais, como apenas uma combinação de manipulações psicológicas, retórica e o uso de tecnologias primitivas.

Um jogo de intrigas feitas pelo Destino. Conflitos militares e religiosos. Amor, e MUITA brutalidade, sangue e espadas rompendo escudos.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Dica de Filme: Lua Negra, lançado em 1996.



Inicio o texto com a seguinte frase: "Isso sim é um lobisomem!"

Lua Negra é um clássico. Lançado em 1996, considero a produção desse lobisomem como umas das melhores, muito bem feito e o melhor de tudo é que não foi necessário um “grande aparato tecnológico” para tal, ou seja, cenas totalmente feitas por efeitos especiais, não mesmo. Até porque não tinham tantos recursos como se há hoje, porém eles tinham algo que eu sinto muita falta nos filmes mais atuais: Criatividade. A simples e eficaz criatividade humana.

A montagem do Lobisomem, de Lua Negra, me parece algo feito manualmente, com poucos recursos gráficos, como se fosse “artesanal”; maquiagem, fantasia, muito pêlo. Feito e orientado pelos produtores do filme. Mas posso dizer que ainda não supera a cena da transformação em Lobisomem do Filme: Um lobisomem americano em Londres, lançado de 1981, 15 anos antes. (Mas sobre esse filme postarei algo na sexta, 27/05, inclusive a cena da transformação) Posso adiantar que é um filme inesquecível.

Voltando a Lua Negra, o filme não é unanimidade entre os fãs do Gênero: Terror/Suspense. Entretanto, posso afirmar que se trata de um filme com uma boa história, bem estruturada (nada extremamente genial, mas muito respeitada); e também classifico como um filme bem produzido, criativo, com cenas marcantes. Inclusive um dos heróis do filme é um cachorro pastor alemão. Algumas partes chegam a beirar uma tensão, nervosismo... Difícil de acontecer quando se usa muitos efeitos especiais. E o final... FODA.

domingo, 22 de maio de 2011

[Conto 2, Parte 1] Lua Prateada olhos amarelados

Os olhos se abrem sempre no mesmo momento. Sempre na mesma cena, qualquer sonho transforma-se em pesadelo. Chegou um tempo que eu não sabia se era dia ou noite, se chovia ou se fazia sol. Meu mundo não era nada além de um quarto, banheiro e cozinha. Minha janela era minha mente, meu mundo girava em torno das lembranças e pensamentos que vagueavam e diluíam aos poucos. O sono volta sempre pesado, a mente pede descanso, mas nego há dias.

Algum dia do mês de maio era o que eu sabia. Minha localização no tempo. Acordei depois de cochilar, olhei para a televisão desligada, sempre que olhava para o aparelho sentia uma sensação vazia, era como se eu não tivesse vontades nem tivesse o menor sentimento. Pensava em nada, apenas a queria desligada. A guitarra encostada no canto do quarto permanecia muda e empoeirada, nos momentos ruins o som que tirava dela me animava, me levava para outro lugar, fora do que eu vivia. Dessa vez nem ela surtia efeito algum, não tinha motivos para tocá-la, não me animava. Levantei da cama e segui até o banheiro, olhei pela janela e ainda não havia anoitecido, porém a luminosidade não era forte, calculei que poderia estar perto das 18 horas. Nenhuma luz acesa; fui tomar um copo d’água, o som do galão e da água caindo foi me entorpecendo, pensava o que estava acontecendo, porque estava tudo desse jeito, tudo muito silencioso, sentia a água escorrendo pelos meus dedos, voltei a si.

Não tinha mais o sono que entorpecia até a alma, parecia que caminhava por uma estrada na qual ninguém mais viajava. Não tinha interesse em saber o que falavam, parecia que todas as pessoas fossem previsíveis, tudo muito óbvio, ou simplesmente eu estava fora de freqüência, sem a sincronia comum das pessoas.

Todas essas sensações, havia quatro dias que as sentia, foram revertendo-se em uma curiosidade, uma vontade que até então desconhecia, queria saber o que acontecia ou aconteceu depois da madrugada em frente ao terreno da estação, o que havia se passado com os policiais, será que algo anormal acontecia na cidade para a qual nem pela janela olhava.

Começo de noite, se não estou enganado era uma sexta feira ou sábado, tenho essa convicção, pois era uma noite relativamente movimentada na cidade, carros e mais carros passavam pelo centro, subiam a avenida, era a juventude sendo guiada pelos hormônios a flor da pele, era a sede por cerveja, álcool, mulheres por homens e vice versa, era o natural da vida acontecendo, os jovens procurando seu tempo, seu momento.

Subia a avenida, caminhava tranquilamente, apreciando todo o movimento dos carros, as pessoas falando, algumas exaltadas outras tímidas; gostava de observar a grande igreja, uma bela catedral suntuosa que ficava em frente a uma praça extremamente arborizada, gostava daquela igreja antiga, trazia a paz, pelo menos a mim, no meio caótico do centro da cidade, realmente era uma noite de final de semana; e eu vislumbrava tudo como se estivesse fora daquele plano real, observando tudo por uma janela, de longe. A noite estava gostosa, não choveria e nem fazia calor, subia a avenida e imaginava o que acontecia dentro da praça arborizada, drogas, álcool, casais tarados, quem sabe, ou simplesmente casais de namorados apreciando a noite juntos; eu iria tomar minha cerveja e conversar com os habituais freqüentadores do Solt bar, do inusitado Geraldinho. Era um bar que ficava no centro da cidade, havia muitos bares pomposos naquela região, “bem” freqüentados, jovens com um bom poder aquisitivo, desfile de carros e motos, realmente havia esses bares, mas nada disso me mostrava interesse, não tinha boa impressão desses lugares, na minha cabeça deveria ser tudo muito chato, pessoas muito iguais, assuntos de uma mesmice padrão, nada da minha freqüência. Eu achava interessante o Solt bar, o dono era mais doido que muito dos bêbados ali presentes, havia estudantes que apareciam às vezes e davam um ar diferente ao bar para quem passava de carro e desconhecia o lugar. Entretanto o que me chamava à atenção eram as figuras que surgiam, algumas eram “figuras carimbadas”, sempre presentes, faziam parte do lugar; também era ponto de encontro de alguns motoqueiros. Muitos grupos de roqueiros, punks, cabeludos vestidos de preto, no geral, formavam tudo junto um ambiente imprevisível, às vezes leve outras vezes pesado, sempre algo diferente acontecia naquele lugar.

Havia chego à esquina do bar, passava em frente a uma farmácia 24 horas, sempre que andava pelas ruas eu emergia em pensamentos, prestava atenção nos detalhes do cenário a minha volta, porém os pensamentos me levavam para longe, às vezes pelas lembranças, outras por duvidas sobre o futuro, cada detalhe era uma viagem, foi em uma dessas distrações que levei um susto, enquanto atravessava a rua em direção as pessoas que agitavam-se em frente do estabelecimento, foi como se uma voz me chamasse e algo passasse rente a minha cabeça, uma corrente de vento, algo assim, olhei para trás e para os lados, procurando alguém próximo de mim, havia duas meninas se beijando em frente de uma porta fechada, elas gemiam e faziam ruídos em baixo tom, talvez o bastante para chegar a meus ouvidos.

Muitas pessoas com copos de cerveja na mão, conversavam, riam, a principio não havia visto nenhuma pessoa conhecida. Adentrei, puxei um banco e me sentei no balcão do bar, as mesas externas estavam lotadas, muitas pessoas sentavam-se na calçada do outro lado da rua.

Fiquei quieto, observava as pessoas que estavam perto de mim, elas falavam sobre um grupo de extermínio ou sobre uma gang violenta, um homem careca falava em tom meio chapado.

- Dizem que é um grupo racista, uma molecada que está matando quem mora na rua. Em São Paulo tem uns filhinhos de papai que ateavam fogo em moradores de rua, vai saber o que fazem aqui. - Quase todos no bar falavam sobre isso.

- Como podem ter coragem de matar uma pessoa que já está acabada nas drogas e ainda fica sofrendo na rua? É muita filha da putagem. – diz um homem franzino de óculos, aparentemente inteligente. Geraldinho puxa um pedaço de pau, que ele deixa debaixo do balcão e fala alto quase dando risada.

– Quero ver o maldito que vai querer matar alguém aqui, eu quebro as pernas antes disso. - Todos fazem barulho e zombam da brincadeira do gordinho simpático.

- E o seu madruga, sumiu mesmo? Ninguém o viu em lugar algum. – pergunta o homem de óculos. Seu madruga era um morador da praça que fica em frente ao bar, era um homem magro e com um grande bigode, era “adotado” pelos freqüentadores do bar.

-Sumiu mesmo. Antes de ontem ele comeu um lanche de salame aqui e no dia seguinte só acharam algumas tralhas debaixo da arvore que ele costumava dormir, creio que ele já era. – falou em tom sombrio o homem careca, sentado ao meu lado. Continuavam conversando, Geraldinho me cumprimentou dizendo.

- Quanto tempo. Pensei que tivesse sumido também, o Xandão disse ontem que faz uns três dias que ninguém te via em lugar nenhum. O que aconteceu? – Geraldinho me servia uma garrafa de cerveja e um copo, permanecendo com os olhos em mim.

- Eu andei meio doente, um resfriado, esperei ficar bom antes de sair de casa. – Menti. Inventei uma desculpa sem me preocupar em esconder minha mentira, era tão lógico que algo mais havia ocorrido comigo, pois até meu trabalho eu havia perdido.

- Sei bem. Espero que você arrume alguma coisa pra fazer, se não daqui um tempo nem dinheiro pra tomar uma cerveja você vai ter. Essa aqui é por conta da casa, mas não acostuma, seu maluco. – Geraldo sorriu e voltou a conversar com o pessoal ao meu lado.

Olhei para rua que continuava movimentada, deveria ser por volta das 21 horas, esse movimento não passaria da 1 hora da madrugada, cidade do interior funciona assim, passando da meia noite as pessoas saem das ruas e vão para outros lugares. A rua fica deserta.

- Sumiu o Madruga, e pelo que o Jorge tava falando até aquele bando de sem teto que ficava na praça da estação ferroviária desapareceu, eram uns cinco ou seis, acho que apenas um foi encontrado perto do cemitério, acho que levaram ele pra uma clinica de doido, O cara não tava falando coisa com coisa. – o comentário do Geraldinho me fez voltar à atenção para o trio de homens que papeavam sobre os sumiços. O que me chamou atenção foi o lugar citado, a praça da estação. A praça que usei o orelhão para telefonar para o 190; a antiga estação, foi com esse lugar que sonhei por dias e noites. Estranhamente o que esses homens falavam fazia sentido na minha cabeça, só não sabia ainda qual sentido.

- Vai ver eles se juntaram e foram embora para outra cidade, ou pegaram eles forçados e levaram para outro município. Nenhum corpo, nada. – o homem careca levanta essa hipótese.

- Acho que não, não acharam corpos, mas acharam sangue na arvore aqui da praça e na estação meia parede velha foi derrubada, aquela parede que ficava entre o terreno do viaduto e uma casinha velha que pertence à estação, era o abrigo dos moradores de rua, e havia marca de brigas por todo lado; vai ver acharam alguma coisa lá, mas a policia encobre tudo para não queimar a imagem da cidade. - Todos pensavam e davam sugestões, imaginavam de tudo, era o assunto do momento.

Eu cortei a conversa com uma pergunta brusca.

- Desde quando começou a acontecer essa porra toda? – perguntei serio, todos se calaram, era como se eu fosse um forasteiro. Geraldinho me responde sem se surpreender com minha pergunta.

-Dizem que faz uns cinco ou seis dias, quase uma semana. Você ficou sumido nesse meio tempo, será que não tem nada a ver com isso, não? – Todos dão risada, o homem careca bate nas minhas costas duas vezes, o álcool corria no sangue dos homens do bar.

- É, vai saber, às vezes eu estou pelos meios e nem sabia. - Um frio corre pelas minhas costas, um leve medo expresso. Geraldinho aumenta o volume do rádio, tocava um som do Stevie Ray Voughan, pessoas falando, carros passando e eu devagando.

- E ai cara, finalmente saiu das catacumbas, deu o ar da sua graça – Alexandre, uma das figuras carimbadas do bar, chega batendo em minhas costas e sorrindo de suas próprias palavras.

- E aí, Xande, ainda assombrando o bar do Geraldo? – disse a ele em tom de cumprimento.

- Aí Geraldo, me manda um Absinto aí. – Alexandre pede sua bebida e comenta sobre algum incidente. – Você viu os rumores que andam pela cidade, pensam que algum grupo está caçando quem mora na rua. Eu não acredito nisso não, caso fosse iam deixar os corpos pelas ruas como uma assinatura. Papo de gente inocente. – Alexandre fala olhando para o trio de homens ao meu lado.

- Se for pra você beber essa merda e dar trabalho aqui no bar, é melhor ir pra outro lugar se não vou quebrar suas pernas, maluco beleza. – Geraldinho fala servindo a bebida, e pergunta com certa curiosidade. – O que você acha que acontece -.

- Eu não acho nada. Vai ver é o anjo da morte que chegou à cidade tocando o terror – Alexandre sorri contente com sigo mesmo.

- Seu maluco, e vai fumar essa porra de cigarro lá pra fora, se não vou ser multado, e eu não pago multa. – Geraldo passa o pano no balcão, mas no fundo gostava da presença do ser conhecido como Xandão.

Saímos, ficamos em pé na rua, conversando por um tempo. Percebia que aos poucos o bar se esvaziava, a praça sempre cheia esse horário estava vazia.

- As pessoas estão com medo. Normalmente a cidade ficava morta depois da meia noite, mas agora ficava vazia e com medo. Mas eu gosto, perambulo de madrugada pra todo lado. Ontem mesmo fui até o cemitério, pulei o muro e fiquei a noite toda na pracinha central do cemitério, debaixo da arvore. Fui embora quando o sol nasceu. – comenta Alexandre. Ele era uma pessoa diferente, bem repulsiva para quem não o conhecia. Era alto, pálido, sempre com sua camisa preta suja, e uma cartola que cobria parte de seus longos cabelos lisos. Era singular.

A continuação dessa noite será postado na segunda parte desse conto.

Thiago

OBS: Seqüencia do conto 1. Para quem quiser acompanhar o início de tudo.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

[Conto 1] Lua prateada olhos amarelados



Clarão. Escuro, nuvens baixas passam rapidamente, vinham do sul, provavelmente chuva. O céu ao norte ainda sustenta algumas estrelas, ao decorrer da madrugada todo céu estará tomado por densas nuvens de chuva. A lua ainda decorra o céu, poucas nuvens a cobre deixando-as bordadas por prata. A cor prateada espalhada pela rainha da noite. Luminosa, forte e cheia.

A rua deserta, ninguém se aventurava naquelas horas da madrugada; passava em frente a um bar já fechado, poucos metros de uma linha de trem, a linha ferroviária a esquerda era breu, escuro raramente clareado pelos poucos relâmpagos. A direita ficava a estação, ainda funcionava como parada para trens cargueiros e também para eventos culturais da cidade. Para chegar à estação pelos trilhos necessitaria caminhar menos de cem metros, antecedendo-a havia um grande terreno, fechado por muros e cercas e acima passava o pontilhão, antigo e solitário. Esse terreno era um pouco maior que um quarteirão, alguns ônibus ficavam resguardados a noite no local que podia ser observado, pois o terreno não era cercado ao todo com muros, mas em sua maioria com uma grade. Passei pelo bar caminhando em silencio, atravessei a rua, estava tranquilo, pensava em algumas músicas, nada mais. Estranhamente fui alcançado por uma sensação de arrepio, sentia que estava sendo observado, instintivamente me encolhi para dentro de minha jaqueta e continuei andando, ao chegar ao outro lado da rua olhei para o alto, observando o viaduto, talvez alguém lá de cima me olhasse; um assalto, era o perigo mais lógico na cabeça de qualquer pessoa que viva em cidades violentas, não pude ver muitas coisas, pois na esquina havia duas arvores que tampavam a fraca luz do poste e bloqueava minha visão quando olhava para o alto viaduto. Distraído sentindo a sensação de olhos vagando pelo meu corpo passei rapidamente pelas arvores e o medo agora era verdadeiro, a luz dos dois postes da rua seguinte estavam apagados, uma armadilha perfeita, continuei caminhando pela rua, a luz do poste mais próximo ascendeu me surpreendendo, olhei rapidamente para o alto e algo passou rápido por mim, me assustei quase caindo de costas, olhei rapidamente para trás, sentindo um alivio ao ver o pequeno cachorro amarelado, seria algo que não me lembraria no dia seguinte, mas me lembro desse cachorro claramente até hoje. Continuei indo em sentido à praça do ponto de ônibus, atravessei para a calçada ao lado, havia uma casa que funcionava servindo almoços para viajantes, provavelmente ninguém morava naquela rua ou naquele lugar próximo a estação, pois havia alguns poucos pontos comerciais e casas abandonadas semi caídas. Acho que a residência mais próxima ficava umas duas quadras para baixo; o vento soprou, vento de chuva, e um forte balançar de galhos de arvores, alto e forte o suficiente para eu parar para olhar, me perguntei se foi o vento, mas porque não foram todas as arvores que chacoalharam assim? Já não sentia a sensação de estar sendo observado o medo diminuía, a curiosidade me levou de volta para o outro lado da rua, parei no meio do caminho, no meio da rua - Que merda é essa? - essa foi à pergunta que fiz a

mim mesmo enquanto olhava fixamente para dentro do terreno, jurava que algo se movimentou lá dentro, nada fazia barulho até ter a certeza que o mato estava fazendo barulho, baixo, sutil, mas alguém se arrastava lá dentro, não era dúvida, eu tinha certeza. O cachorro amarelado começou a latir ferozmente, não o via, ele estava virando a rua, praticamente meia quadra virando a esquina escura das arvores. Um estrondo violento, posso ouvir esse barulho todas as noite, não me esqueço do som, um choque pesado no portão que havia em frente ao bar fechado que eu havia passado, um portão fino baixo e simples, quase igual a cerca de arame fino do lugar, um estrondo de correntes, grades e cadeados, algo raspou o chão, provavelmente eram maior que a grade

- Meu Deus que desgraçado é esse? - era desespero, pois falava sozinho, alto, no meio da rua, medo, o cachorro agora não latia, ele gritava de medo, um ganido fino e horrendo, ouço o cachorro tentando correr, a grade faz novo barulho, agora quem estava dentro do terreno estava na rua, eu estava paralisado pelos sons virando a rua, o cão grita de dor, foi pego, mas por quem? Ouço uma forte respiração, o cão grita novamente seguido por estalos, talvez de ossos sendo quebrados. Comecei a correr para a praça.

Corri rapidamente para a praça, havia movimento, alguns ônibus da linha urbana passavam pela praça, enchiam de luz a rua com seus faróis, contornaram a rua e foram embora. Agora era silencio e solidão novamente; na esquina um orelhão, corri até ele - tomará que funcione essa merda - olhava para trás, em direção a rua do terreno, a esquina continuava escura e o vento balançava as arvores.

Disquei 190, chamou uma vez, olhei novamente em direção ao ocorrido, chamou novamente - policia militar, boa noite - Uma voz de mulher, uma policial atende a minha chamada, e agora o que explicar para ela, isso é loucura! - Policial! Tem gente no terreno ao lado da estação, um cachorro foi atacado, ele me olhava! - O sentido do que eu falava era cada vez menor cada palavra uma loucura.

- Senhor, acalme-se, fale devagar, onde você está? -

- Estou na praça da estação, passei pelo terreno que fica abaixo do viaduto, tem um portão que fica de frente pra um bar no cruzamento da rua com a linha do trem, tinha alguém me olhando, quando virei a rua pularam e atacaram um cachorro, mataram o cachorro! - Comecei a falar calmamente, mas ao decorrer da narrativa fui ficando nervoso.

- Senhor, qual o seu nome? Vou mandar uma viatura para averiguação. A policial falava em tom monótono, parecia com sono ou entediada.

- Mande uma viatura, vou ficar na praça, boa noite - desliguei o telefone sem dar meu nome, na verdade no momento nem me lembrei, estava ansioso.

Agora o céu estava totalmente nublado e uma garoa começava a cair. Nenhum ônibus passou, o vento balançava as arvores, será que a polícia iria realmente averiguar a ocorrência, duvidava.Fiquei com os olhos fixos na esquina, quando me surpreendi, uma sombra foi feita na parte iluminada da rua, ela era esticada de uma esquina na outra, orelhas em pé, a sombra movimentou-se, pelos eriçados e cauda.

Será que eu estava aplacado pelo medo, o cachorro poderia ter atacado um rato, e eu alimentado pelo medo criei uma história sem sentidos, o barulho, talvez, teria sido aumentado pelo meu pavor. Comecei a andar rápido na direção da esquina escura com as duas arvores. Andava na calçada oposta a rua escura. Parei embaixo de uma arvore e continuava olhando a esquina, devia estar uns 50 metros da esquina escura. A sombra se movimentou rapidamente, sumiu, algum animal estava na esquina. Não era uma pessoa, isso me aliviou. Havia chamado a polícia a toa, se eles me viessem seria repreendido, eu agora parecia um marginal abaixo da arvore. Fui em direção a esquina, andava rápido e do outro lado da rua, qualquer coisa iria correr como nunca. Arrepio, um calafrio subiu pelas minhas costas, ela aquela sensação maldita. Virei-me de costas rapidamente, era como se alguém estivesse chegando perto de mim, não havia nada, me virei para a esquina novamente, um clarão seguido de um estrondo, a chuva começa a apertar. Meu coração estava disparado, o medo era implacável, me travou novamente, mais um clarão e uma sombra correu pela rua como um vulto, disparei para a esquina, olhei para a esquerda, certamente não havia ninguém. Atravessei a rua olhando os fios do poste que balançavam, voltei minha visão para a rua, algo ali me chamava atenção, a rua estava molhada pela garoa e a calçada estava molhada por sangue, uma poça e um rastro em direção ao portão que estava sujo com o sangue escurecido, uma mistura de ferrugem e Sangue. Dentro do grande terreno era apenas uma escuridão, quanto mais para o interior mais escuridão. Sangue. Provavelmente do cachorro amarelado, pois ele não conseguiria escalar aquele portão e menos ainda carregando alguma presa.

Por um tempo nada se ouviu, andava de um lado para o outro, olhava pela cerva tentando achar algo, mas tudo era muito escuro, as vezes um ou outro relâmpago iluminava por um instante o terreno menos a parte que se estendia abaixo do pontilhão, uma luz forte, um farol de alguma carro iluminou acima de mim, passava um carro pelo pontilhão, talvez a polícia realmente atenderia o chamado, andei rapidamente até a esquina; decepção, era um ônibus, passou rapidamente, o silencio retorna, inundando a madrugada úmida. Era o momento de ir embora, aos poucos fui me convencendo que nada passou de uma sensação ruim, algo que me impressionou, provavelmente seria isso se não fosse o forte ruído, um som que arrepiou cada pêlo de meu corpo, cada vértebra da minha coluna, parecia que alguém passava longas unhas em uma lousa, mas o som era desprovido de algo férreo, uma coluna metálica ou da linha do trem, tampei os ouvidos e corri para frente do portão, estava irritado com o barulho, alguém desgraçadamente fazia o ruído soar alto demais.

Desgraçado, seu merda – Falava quase gritando, o bastante para o barulho parar, o silencio retornou, nada me respondeu; peguei uma pedra na calçada e arremessei em direção ao mato que tampava o caminho para os trilhos, ouvi a pedra bater no chão, era o instinto, uma intuição animal que tilintava em mim, sabia que havia alguém ou alguma coisa dentro do terreno se escondendo no mato e no escuro. Pelo menos no momento eu achava que era algo escondido, hoje creio que era alguma coisa com um instinto mais animal que o meu me estudando, analisando como me surpreender.

Abaixei-me para apanhar mais uma pedra, meus olhos vagueavam pelo chão procurando o objeto para arremessar quando paralisei, fiquei estático, todos os pêlos do meu corpo arrepiaram – lembro-me até hoje do som - um rosnado não muito alto, mas o suficiente para sentir à ameaça, feroz e desafiador, o mato se dividiu, amassado, próximo as trilhos, e o mato vinha balançando, algo caminhava rasteiro, estava escuro no local, as luzes dos postes não chegavam no lugar, arvores da calçada a tampavam, as luzes da rua acima do pontilhão ficavam bloqueadas pelo mesmo viaduto; ao meio do breu surge dois pontos amarelados, firmes, vagueando para baixo e para cima, brilhantes, e fixos em mim, foi quando me dei conta que eram um par de olhos cintilantes, frios e penetrantes na alma. Os olhos estavam bem próximos ao chão, mas vinham lentamente na direção do portão, cada vez mais altos, me afastava, andava de costas, estava paralisado, medo, ainda não via nada além dos olhos. Surgiram duas orelhas empinadas, uma havia uma mancha branca, agora em minha mente eu delineava o que se aproximava talvez um cachorro, aos poucos um grande cachorro negro. O animal parou, inspirou o ar da noite, seus olhos eram fixos em mim, seus dentes amarelados cada vez mais amostra, era desafiador com uma ferocidade nunca antes vista por mim. O animal inclinou seu corpo para trás como se fosse sentar e se ergueu abruptamente, agora os olhos amarelados estavam novamente no escuro, altos e semi cerrados, era mais alto do que eu, quem sabe tivesse mais de dois metros. Uma luz alta chegou pelas minhas costas, o terreno foi iluminado até seu fundo, cada vez mais forte, olhei para minha lateral e vi luzes vermelhas e azuis girando, era a policia! Jurava que não viriam ou talvez fosse uma ronda e pararam ao me observar, um estranho parado em frente a um terreno.

-Quem você está esperando aqui? – Pergunta um dos policiais, o primeiro que desceu do carro, mais um policial sai da porta de trás da viatura. Olhei para o oficial e voltei minha atenção novamente para o terreno, não vi nada mais que um vulto rápido indo para trás de uma das colunas do terreno, o mais distante possível, foi muito rápido, parecia um espectro sumindo na noite.

- Rapaz! Vira aqui pra mim! – O policial fala bruscamente, me trazendo de volta em si. Virei para o policial, deveria estar com uma cara horrível, já que todos os oficiais se espantaram com minha expressão.

- E... e... eu chamei vocês? – essa foi à primeira coisa que me veio a cabeça.

- Escuta aqui moleque você está drogado, bêbado? Seu bostinha. – percebi que havia me expressado mal.

- Claro que não policial. Eu perguntei porque havia ligado para a policia há uns trinta minutos. – recuperava minha lucidez, porem, me questionava como explicaria aquilo a policia. – Eu liguei porque eu vi algo estranho aqui. –

- Estranho como? – dois policiais conversam dentro do carro, apenas o sargento Gomes permanece conversando comigo.

- Passava por aqui e senti alguém me observando, continuei andando, quando virei à esquina me deparei com um cachorro. Quando estava no meio do quarteirão adiante eu ouvi um barulho aqui e ouvi o cachorro gritar, quando voltei pra ver só encontrei sangue, até aqui no portão, acho que tem alguém aí dentro – omiti o que eu havia visto, os olhos amarelos e a cabeça do cachorro negro, seria insanidade afirmar isso.

O sargento Gomes pede para dois policiais averiguarem o perímetro, ambos com lanternas, um dos oficiais vai até a esquina escura e continua subindo a rua averiguando a lateral do terreno, o outro vai até os trilhos do trem e caminha para dentro do terreno. Percebi que poderia ter entrado no terreno pela linha do trem. O guarda se adentra e segue para o matagal. Nesse momento eu fiquei nervoso, eu sabia que tinha visto um animal enorme e furioso lá dentro, e eu não havia alertado o policial; caso fosse atacado a culpa seria única e exclusivamente minha, pelo menos era esse o meu pensamento. O sargento Gomes percebendo minha expectativa me questiona, perguntando se eu não saberia mais nada sobre o incidente, naturalmente digo

-Olha sargento, eu acho que há um animal ai dentro, talvez algum cachorro grande – nesse momento uma buzina ensurdecedora, extremamente alta soa e uma forte luz começa a surgir atrás de nós, agora iluminando o policial que adentrou-se no terreno, o trem apita novamente, estava chegando no cruzamento com a rua que estávamos parados, o motor cada vez mais alto, o som do apito era absurdo, irritante um som alucinante; ao meio desse barulho ouve-se um rugido, alto, feroz, mais alto que o som do motor do trem, o policial grita assustado, sua lanterna cai e o sargento Gomes corre até a linha e faz sinal para o maquinista não mais apitar e corre em direção ao policial, novamente um rugido feroz, neuroticamente nervoso e novamente, pela segunda vez vejo os olhos amarelados, extremamente abertos, dessa vez não mais fixo em mim, os olhos iam do trem aos policiais, o trem avançava o cruzamento, era barulhento e o animal irritado com a luz e o barulho se levanta em duas patas parecendo um grande urso em pé, com certeza maior que cada homem ali presente, talvez com mais de dois metros e meio, talvez três. Salta, rugi, mostra seus dentes, grande o bastante para perfurar o braço de um homem forte, amarelados e expostos. Os dois policiais petrificam-se, outro para na esquina não acreditando no que vê e o quarto ainda dentro da viatura fala a algum radio. Nesse momento o trem passa pelos policias e segue em direção a criatura e avança na direção dos policiais que nada fazem a não ser sacar suas armas, o animal babando, lunaticamente perturbado com o barulho, rosna, rugi violentamente, para cheira o ar e avança novamente, dessa vez em direção ao trem, o maquinista grita, puro medo, um medo merecido, o animal era enorme e cada vez mais perto, cada vez mais assustadoramente peculiar. O animal pula no trilho do trem, olha para os policiais, o trem quase se choca no animal que pula para outro lado dos trilhos, nada mais vemos, o trem cobre toda nossa visão. O maquinista em choque grita que o animal corre em direção à estação, pulando um muro que dá nas casas velhas próximas a velha estação, assim sumindo na noite. A chuva aperta.

- Deus do céu! Que coisa era aquela! – o policial que estava na esquina corre em direção a viatura, assustado e incrédulo, não me surpreende que ele tenha se mantido longe daquele terror vivo. Gomes parece ser o único que ainda se mantém em sua consciência.

- Mande o Copom nos mandar mais duas viaturas, vamos fazer uma ronda de busca. Não digam nada sobre o que foi visto aqui, se não vamos daqui para um psiquiatra. – Gomes da às ordens, falava como se nada tivesse ocorrido, estava longe demais para pensar em ter medo. – garoto, vá pra casa, aguarde uma viatura chegar que pedirei que te levem para a casa, direi que você sofreu um ataque de um cachorro e paramos para te ajudar. Vá e não comente nada, pois não vimos nada além de um cachorro perturbado pelo barulho.

Naquela noite fui mandado para a casa, cheguei em segurança. Não dormi por quatro noites, não saia de casa por nada. E no dia em que resolvi sair tudo o que ouvia, toda a noticia que recebia meu cérebro ligava com o ocorrido, uma paranóia, uma grande encanação. Aquilo passou a fazer parte da minha vida e o que posso falar é que foi o ponto de partida para uma vida noturna e praticamente insana.

Logo relatarei mais experiências de minha vida depois do ocorrida, depois da noite licantrópica. Quem aguardar verá!